O objetivo da colocação de hoje é trazer elementos
para o questionamento da palestra anterior. Se no campo das idéias temos
todos os elementos para uma educação integral, então, por que a
verdadeira educação não é uma realidade.
Eu apresentaria, para nossa reflexão, cinco fatores fundamentais. Outros
poderão ser acrescentados durante os debates.
1. Falta de globalidade da idéia, falta de Unidade entre as matérias. Necessidade da formação de um sistema que englobe todas essas idéias dos grandes pensadores, mas que estão esparsas. Decroly, por exemplo, busca levar a criança a adquirir conhecimento através da observação das realidades do mundo que a cerca – do mundo mineral, animal, vegetal, do homem e suas necessidades, dos astros etc. Todos os conceitos seriam transmitidos em função das solicitações feitas pela criança, interligando todas as áreas.
2.
Despreparo do adulto, a partir do jovem que vai constituir a
família, a célula mater da sociedade, e que ficam à mercê do insucesso
em uma vida a dois. Preparamo-nos para todos os empreendimentos que vão
dar rendimento, mas não nos preparamos para ser cônjuges e Pais.
Eu diria que a grande chave está em
que o homem que pretende atuar como educador, e esses são todos os que
vão ter contato com a criança, precisa primeiramente passar pela
experiência de conhecer-se a si mesmo. Como no campo das idéias as
proposições vão surgindo de acordo com as necessidades do ciclo,
extraordinárias técnicas de auto-conhecimento estão aí, fervilhando
dentro da psicologia.
Somente após conhecer-se, encontrar-se o homem tem a possibilidade de
criar condições para que outros indivíduos venham a se deparar com sua
realidade interna.
Porque educar não é impingir aquilo que nós consideramos como certo, mas
é levar cada indivíduo a adquirir a capacidade de descobrir o que é
certo para si.
Para treinar a criança nas várias áreas de sua personalidade, não pode
haver tabelas pré-estabelecidas. Cada criança deverá ter oportunidade de
encontrar o seu próprio caminho que será diferente para cada uma, sendo
que cada criança deverá ser abordada de acordo com as exigências de sua
personalidade, daí a necessidade dos educadores, dos Pais, dos adultos
em geral, conhecerem, o quanto possível, a pessoa humana.
3.
Essa oportunidade de o indivíduo defrontar-se ou não consigo
mesmo, depende do ambiente e entramos no terceiro item – inadequação do
ambiente – porque a criança não tem, no início da vida, autodefesa em
termos de discernimento, nem espírito crítico. O que lhe é colocado, o
que ela presencia, aceita, porque para a criança o que vem do adulto é
lei. Para ela o adulto é um ser sobrenatural. Existe uma grande
responsabilidade no exemplo, mesmo porque a imitação é um dos esquemas
de estruturação da personalidade.
Quais são os exemplos que a criança
está recebendo, em média, dos indivíduos e da coletividade?
Quais são os exemplos que ela recebe dos meios de comunicação –
revistas, cinema, da máquina de consumo, da TV?
Em relação ao ambiente formado pelos adultos, poderíamos inserir dezenas
de questionamentos: Seria necessário que cada um de nós colocasse,
corajosamente, esses questionamentos em cheque dentro da sua realidade
vivencial.
Estamos conduzindo a criança para a autonomia, para a independência
sadia?
Somos coerentes em relação aos princípios que pregamos? Coerente para
consigo mesmo e coerente em relação às colocações que fazemos para a
criança?
Será que não está havendo uma inversão no conceito de amor?
Cientificamente, estudiosos da pessoa humana comprovam a grande carência
afetiva de nossa civilização. A mensagem da sociedade de consumo é
adquira coisas e será feliz.
O adulto está acreditando na mensagem do ter – existe grande preocupação
em dar. Pais chegam até a sacrifícios. Eu acredito que esteja havendo um
equívoco sincero de conceituação – amar versus dar, porque esta geração
de Pais já foi criada dentro desta filosofia.
Mas a criança quer fazer, criar, participar, colaborar, junto com o
adulto. A criança quer receber o que vem de dentro do adulto e não o que
vem de fora.
Estamos convivendo o necessário com a criança? Dialogamos com ela? Será
que temos tempo para isso? Ou será que aparecemos somente naqueles
momentos críticos para dar ordens e emitir julgamentos – não faça,
cuidado, vai quebrar, vá estudar, não seja teimoso! Aparecemos para
rotular. Não adianta, ele é assim mesmo. É mentiroso, preguiçoso.
Tiramos a oportunidade de mudar.
Será que o ambiente que oferecemos estimula a capacidade criativa?Ou
impede? Uma análise profunda da influência da TV e dos brinquedos
eletrônicos, que é só apertar um botão e eles funcionam, dá o que
pensar.
Será que o ambiente atende à necessidade da vida lúdica? Ou será que
está restrita à recreação de ordem visual, inclusive até vivendo
acontecimentos e emoções de outros, ao invés de acontecimentos e emoções
próprios?
Será que o adulto permite a colaboração da criança nas atividades reais
do dia a dia ou, quando a gente vai lavar o carro, por exemplo, a gente
já vai dizendo: Cuidado, você vai se molhar! Fique longe!
Quando vai limpar uma sala manda a criança ficar na outra?
O ritmo da criança é lento e o adulto não pode esperar, não tem tempo.
Depois, mais tarde, por um passe de mágica, queremos que colaborem que
participem, mas já ensinamos a serem individualistas, a se afastarem de
onde trabalhamos, dando a entender que incomodam.
Será que damos, progressivamente, oportunidades para que a criança tome
decisões, ou estamos criando uma geração passiva, dependente, depois,
mais tarde, ficamos perplexos porque não conseguem enfrentar a
problemática da vida e nós, adultos, os culpamos e rotulamos de
irresponsáveis.
A nossa civilização não leva em consideração a criança. A criança vive à
margem da realidade dos adultos. Houve uma inversão – ela que deveria
ser o objetivo principal, é apêndice.
Alguns fatos caracterizam o contexto da vida atual das crianças.
Diminuição crescente do espaço vital, naturalmente, isto nas grandes
cidades. A vida vai se tornando cada vez mais artificial – cimento,
apartamentos. Rousseau, em 1.750 já afirmava: “Remova as restrições das
convenções sociais e estimule as tendências naturais.” A liberdade de
movimento é inexistente porque tudo quanto cerca a criança, dentro e
fora do lar ou é perigoso ou é proibitivo. Isto vem prejudicando
inclusive o aspecto sensório motor perceptivo e intelectual, pois Piaget
diz que conhecimento é ação. A mente precisa agir para aprender e
organizar-se.
Gesell diz que a criança cresce como a planta, de dentro para fora,
mediante as forças da maturação, estimulada ou inibida por fatores
externos. Não pode ser moldada mediante pressões externas.
Não há solução simples para se modificar o ambiente. Para lidar com o
ser humano não existem fórmulas pré-estabelecidas. A ciência humana não
é exata – ela joga com fatores que se constituem em variáveis complexas
daí a necessidade de um planejamento, com conhecimento de causa.
Há uns 60 anos era mais fácil educar de maneira despretenciosa –
acompanhando o fluxo natural dos acontecimentos porque o ritmo da v ida
era diferente. A começar pelos Pais que eram mais calmos, conviviam mais
com os filhos. As Mães não trabalhavam fora.
4.
Existe uma grande falta de objetividade dentro da vida da
criança e do jovem também. A criança não se exercita dentro do ambiente
familiar e social e nem tão pouco na escola, pois nossa educação ainda é
basicamente teórica – a educação chamada tradicional, desvinculada da
realidade, faz sair das Universidades, como sói acontecer, o indivíduo
formado, mas praticamente sem profissão.
Educar certo não é fácil – é um
grande desafio, o maior de entre todos os desafios de nossa época.
Exige do educador que rompa as peias do comodismo. Exige que, além da
organização da sua própria personalidade, seja criativo, que tome de seu
tempo para planejar, que esteja em constante auto-avaliação.
A máquina da educação não vai mover-se antes que o adulto se torne
consciente da necessidade real de sua participação dentro das escolas e,
sobretudo, fora das escolas. Costuma-se responsabilizar a escola pela
educação da criança, mas raramente se lembra de que a criança passa
apenas 8% de seu período anual na escola e os restantes 92% dentro do
lar, do ambiente social.
5.
Eu diria que o homem vem sendo educado ao nível de coisas e
conceitos circunscritos – decorados fora de um contexto. O homem precisa
constantemente de um estímulo externo para manter-se interessado.
O senso religioso está mecanizado –
circunscrito a práticas externas. Os Pais, quando oferecem uma educação
religiosa, apresentam os dogmas, mas muitas vezes não acreditam naquilo
que está sendo ensinado. Não vivem a filosofia contida naquilo que
passam para as crianças. A voragem da vida civilizada não permite ao
homem defrontar-se consigo mesmo. O homem perdeu a consciência de seu
poder interno, fenômeno que vem sendo agora desvendado pela
parapsicologia.
Assim como a esperança da nova civilização reside na criança de hoje, a
esperança da criança de hoje reside na capacidade do adulto desenvolver
a verdadeira Ética, aquela que envolve o meu relacionamento harmonioso
comigo mesmo, com o meu Deus interior, depois o meu relacionamento
harmonioso com a família, com a comunidade, com a nação e com o mundo. É
do despertamento individual do adulto de hoje, que ocupa os cargos de
liderança, que se poderá um dia obter modificações capazes de abranger
toda uma civilização.