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"Administração do Lar" - parte II

Zélia de Toledo Piza

         Casamento & Felicidade

 Vamos considerar o lar antes de ser lar, o lar em potencial, isto é, os problemas que antecedem a formação do lar.

         O primeiro problema que surge é o da escolha do companheiro ou companheira. A tendência natural é valorizar o fator aparência pessoal. Se bem que a beleza física seja algo agradável à vista, todavia ela é índice de baixo valor para a escolha de um companheiro. Quem se firma neste fator externo está confundindo a vida matrimonial com um prazer que os sentidos possam dar.

         Há também o perigo da escolha apressada, por causa de um dos interessados estar desejoso de livrar-se de uma situação desagradável - controle dos Pais, aborrecimentos dentro de casa, solidão. São estados psicológicos perigosíssimos porque podem levar a uma decisão precipitada.

         Para uma escolha acertada, é indispensável convivência. Muita conversa ao pé do fogo. É preciso que haja afinidade. Interesses em comum, nível mental e emocional equivalente. Uma convivência curta pode levar a enganos, porque o ser humano não deixa transparecer a sua natureza interior num ambiente de cerimônia. E isto é feito sem maldade, sem segundas intenções, inconscientemente, pois é fator inerente à natureza humana apresentar-se como um ser respeitável aos olhos dos semelhantes. O homem e a mulher conseguem controlar-se, dar uma aparência de tolerância e calma cativantes, qualidades essas que não resistirão a embates da vida.

         Se depois do casamento, o casal vai viver permanentemente junto, é preciso que antes se conheçam o quanto possível nessa situação real, isto é, o quanto possível, partilhando longos momentos de uma vida comum, para evitar conceitos falsamente arquitetados.

         Nesta convivência anterior ao casamento é preciso, sobretudo, autenticidade - ser aquilo que realmente se é, de coração aberto, sem procurar santificar-se aos olhos do outro. Então haverá oportunidade para um conhecimento verdadeiro e conseqüentemente uma aceitação do outro como ele realmente é e não como cada um desejaria que o outro fosse. É preciso lembrar que cada um traz dentro de si o mesmo desejo de acertar.

         Todos os atos da vida devem ser considerados como experiências cujo único objetivo é o desenvolvimento interior do homem, ou seja, um aumento do estado de consciência. Portanto, o casal deve amar-se no intuito de se ajudarem mutuamente nesta escalada espiritual.

         Depois do casamento, os primeiros tempos nada dizem do desenvolver de uma união. Quanto mais real e objetiva foi a convivência anterior, maiores as probabilidades. Quanto mais fictícia, ilusória, fantasiosa e irreal for a convivência anterior, menores as probabilidades.

         Existe uma tendência natural em ambas as partes para o exercício do monopólio. Em uma alta porcentagem de casos, a moça quando casa, pensa que a vida toda será uma viagem de núpcias. Ela quer continuar sendo alvo das atenções, o centro da vida do companheiro e recusa-se terminantemente a entrar na realidade da vida rotineira. Recusa-se a aceitar que, se bem que ela ocupe o maior espaço dentro do coração, todavia, só restam para ela, poucos momentos diários, pois o ganha-pão absorve o tempo do companheiro. Há também, sem dúvida, maridos que procuram absorver toda a atenção da esposa, forçando-a a viver só para ele, proibindo-a de atividades exteriores ao lar etc.

         É preciso casar sabendo que, após a viagem de núpcias, a vida será uma vida de rotina, dura para ambos e que a grande sabedoria será justamente a de amainar o mais possível a aridez da vida material de cada dia com os inestimáveis valores escondidos no interior de cada um. Será saber aproveitar ao máximo os mínimos momentos que a vida permite a ambos gozarem juntos.

         E chegamos, então, à maior de todas as interrogações do casamento. Como manter esta felicidade conquistada? Existem inúmeros fatores, mas podemos citar alguns dos mais importantes.

         l. Amadurecimento emocional. O egocentrismo é o esquema do imaturo. O esquema daquele que pensa nos outros e o do psicologicamente amadurecido. A chave da felicidade, em qualquer convivência e, sobretudo na conjugal está na renúncia equilibrada. O sonho de felicidade, que é tão natural na alma do jovem, tem um preço - esse preço é o da renúncia equilibrada que abranja o sentido de justiça em todas as situações. Sem renúncia mútua não haverá felicidade. Vejam bem que eu disse mútua, porque a felicidade conjugal precisa ser construída a dois, é o tipo do trabalho que não pode ser feito a um. Se apenas um renunciar, esse será infeliz, porque cessará o espírito de justiça. E onde um é infeliz, a felicidade do outro se torna falsa, artificial.

         2. Fator importante. Preservação da independência individual. Daí a importância do conhecimento recíproco anterior, do conhecimento autêntico. Jamais alguém deveria casar-se pensando que vai dar uma de pigmalião. Só Shakespeare conseguiu fazer isso, ninguém mais, ninguém jamais conseguiu ou conseguirá. Se em seu futuro companheiro há algo que realmente desagrada, não pense com seus botões - isso eu consigo modificar com o tempo. Isto é ilusão das ilusões. Ninguém transforma ninguém. Cada um pode transformar-se a si mesmo, mas de forma alguma transformará outra pessoa. Nesta tentativa de transformar, a tensão vai se acumulando. Quem corrige se frustra porque não consegue nada e quem é corrigido se deprime e se aborrece, porque afinal casou-se para ter companheiro ou companheira e não para ter novo Pai ou nova Mãe.

         Então, antes do casamento os noivos deveriam observar-se mutuamente, observar conscientemente e depois de casados, cada um deve deixar o outro ser o que é, exatamente como era antes, em toda a sua plenitude, procurando amar os seus pequenos defeitos, mesmo porque se houver grandes defeitos, que são os de ordem moral, então a força de Vontade já deveria ter atuado, levando a um rompimento antes do casamento, porque defeitos morais, mais dia menos dia, solapam qualquer união.

         Como decorrência deste "deixar o outro ser o que é" surge o terceiro item.

         3. Respeito mútuo.

         O casal deve respeitar-se como se, a cada novo dia, se encontrassem como pessoas que nunca se viram antes. A técnica do respeito é pretender que são eternamente desconhecidos. É fácil ser cortez, amável, solícito para com os estranhos e cada vez vai ficando mais difícil ser tudo isso para alguém com quem se convive diariamente. O casal deve engendrar artimanhas no sentido de preservar o sabor deste respeito, vital para a felicidade.

         Entre pessoas que convivem diariamente, partilhando os árduos problemas da vida, além das naturais divergências pessoais, há inevitavelmente desentendimentos. A solução destes desentendimentos é ponto chave. Se houver necessidade, tenham divergências, mas ajam com respeito. Nunca deixem escapar qualquer declaração humilhante da qual depois poderiam arrepender-se. São essas pequenas coisas que matam o amor. Assim como são os pequenos gestos, as pequenas lembranças, as pequenas demonstrações de respeito que constroem e mantêm o amor. Em vez do casal estar permanentemente discutindo pequenos problemas, aconselharia o hábito de uma reunião periódica, oficial, para discutir calmamente problemas de qualquer natureza, até mesmo mencionar pequenos cacoetes que andam perturbando.

         O casal deve estar aberto ao diálogo. Um diálogo calmo resolve noventa por cento dos problemas conjugais, porque em geral os problemas são o resultado de más interpretações das atitudes recíprocas e que vão se somando até tomar um vulto gigantesco. Se a tensão não for interrompida por um diálogo, as atitudes de revanche começam sendo postas em prática e nada mais segura o matrimônio. E vamos para o quarto requisito.

         4. Senso de humor.

         O bom humor é um aliado da felicidade. Um sorriso permanente nos lábios ameniza qualquer convivência. Aqui se englobaria o poder do pensamento positivo tão preconizado hoje em dia e tão extraordinariamente verdadeiro e eficaz.

         A arte de viver em função da felicidade do outro, ou seja, a felicidade conjugal é a maior escola de realização interior, de aprimoramento pessoal, porque essa convivência possibilita a aplicação objetiva dos valores internos positivos que, aos poucos, vão tornando o homem semelhante ao seu Criador. O matrimônio longo e feliz é o maior desafio imposto ao homem em sua vida sobre a face da terra.

         Quem tiver a oportunidade de estudar teosofia, verá que o Universo é o resultado de uma polarização, do aparecimento de uma dualidade Universal, dualidade essa presente em tudo e nitidamente aparente no homem - em sua Vontade, em seu Mental, em seu Emocional e em seu aspecto sexual. Agora, deste estágio evolutivo em diante, deverá dar-se o contrário, isto é, a fusão dos princípios polares em um estado de ser equilibrado que resultará no androginismo de todos os valores, não só do ponto de vista sexual, mas do ponto de vista mental e emocional - a evolução visa alcançar o mais perfeito equilíbrio em todos os aspectos. Daí a missão que o matrimônio feliz representa ante o processo evolutivo do ser humano. O lar tem todas as condições indispensáveis para realizar aquilo que a Lei Cósmica exige. Mas é preciso que os elementos que o compõem sejam seres de fibra, dotados de uma Vontade férrea no sentido de colaborar para o sucesso desejado, dotados de elevada capacidade de discernimento e estejam empenhados em um esforço conjunto no sentido do aprimoramento da personalidade humana.

         Deixo aqui registrado, para meditação, dois pontos chaves para a felicidade conjugal:

 - O monstro do ciúme;

-         É preciso manter a política da conquista afetiva. Antes do casamento cada um dá o máximo de si para isso. É preciso empregar a Criatividade. O mecanismo de reação emocional é pela surpresa. Os gestos inesperados são os que mais sensisbilizam.

 

 

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