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“O referencial na construção da estrutura psíquica da criança“  

Trechos da monografia de pós-graduação compilada por 

  Marcos Piza Pimentel

Alguns autores indicam que o início da indisciplina está presente no desrespeito ao desenvolvimento biológico por parte dos pais. Quando a criança nasce, as mães buscam informações sobre qual é a melhor maneira de atender seus filhos. Existem duas "verdades" médicas que orientam a amamentação. Uma em horários fixos e determinados de quatro em quatro horas. Outra de que a criança deve ser atendida assim que se evidenciarem a necessidade, não importando a hora e o local.

Tanto uma quanto a outra tem seus prós e contras. No primeiro método, a criança passa a desrespeitar seu ritmo biológico e na falta de outro recurso se submete ao ritmo imposto pela mãe. Assim, em vez do "eu tenho fome, quero comer'', ela se orienta por "preciso comer agora, tendo ou não fome". Sabe-se hoje em dia, que a criança recém nascida, com fome, não tem capacidade de identificar o incômodo como necessidade de se alimentar e vivenda uma angústia muito grande.

No segundo método basta a criança chorar e já lhe empurram leite. Às vezes nem sentiu fome ainda. Mães ansiosas passam a sua ansiedade para o filho dando leite a qualquer choro. Pode ser que estejam com a fralda molhada, com frio ou calor. Nesse método, mais importante do que a fome, passa a ser o alimento que adquire outros significados. A mãe se escraviza hoje, e no futuro a criança pode buscar alivio na cozinha, para sua ansiedade. Aí está presente o primeiro desrespeito ao ritmo biológico do indivíduo que baliza o referencial na sua construção psicológica.

Mãe e pai proporcionam a atmosfera na qual a criança realiza suas primeiras experiências e reconhece os valores e convenções da vida social. Por isso, queremos, com este trabalho, demonstrar a importância de um comportamento estável na relação do adulto com a criança, no período da vida em que ela. está construindo sua estrutura psíquica.

Os estudos nos mostram como é importante para a construção da estrutura psíquica dos indivíduos um comportamento estável do adulto.

Nesse sentido, completando o processo, queremos evidenciar "que quanto mais a criança se desenvolve e se aperfeiçoa, tanto mais pode agir por si mesma e se torna independente dos outros, isto é, livre." (H. Lubienska de Lenval, s/d, p.124)

Como diz Paulo Freire, "ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção." (Paulo Freire, 1997, p/x).

Em verdade, tanto a pedagogia doméstica quanto a escolar, quando autoritárias, visam reprimir nas crianças e nos jovens o sentimento e a necessidade da liberdade como condição fundamental da existência. Sem esse sentimento e sem essa necessidade, desaparecem nas pessoas o espírito crítico e o desejo de participação ativa na sociedade. Tornam-se dependentes.

 

Na escola, vários processos são utilizados para se conseguir a disciplina. Alguns professores ainda empregam o uso da força para intimidar o aluno a ser disciplinado dentro da sala de aula, com ameaças e castigos.

Essas normas estabelecidas na escola e pelos professores não deixam o aluno desenvolver seu amadurecimento psicológico.

Outro processo bastante utilizado é a afetividade. Esse processo consiste em cativar a amizade do aluno ou da classe para se obter a disciplina. Quando esse processo é utilizado, o aluno faz tudo para não perder a amizade do professor e neste caso o aluno só tem responsabilidade de agradar o professor.

Hoje entretanto tem-se buscado utilizar mais o processo de responsabilidade, onde o professor procura desenvolver a responsabilidade do aluno. Esse processo exige um acompanhamento mais de perto do professor, dando responsabilidades ao aluno dentro dos limites de seu nível de maturidade e inteligência.

Dentre os processos apresentados, entendemos que o melhor é o da responsabilidade, pois é ele que proporciona a oportunidade para que o aluno, através da experimentação possa organizar-se internamente.

 

Para entendermos o referencial que explicitamos, é preciso conceituar disciplina e liberdade, dois conceitos que estão intimamente ligados ao processo ensino-aprendizagem.

Liberdade é a capacidade de o indivíduo definir o espaço pessoal em relação às suas limitações no trato com o meio físico e em relação aos espaços dos outros.

Segundo Arthur T. Jersild, "a disciplina é qualquer espécie de influência sobre o indivíduo no sentido de adequá-lo às exigências do ambiente". Ainda segundo ele, o objetivo da disciplina não é cercear a liberdade do indivíduo, mas proporcionar a liberdade dentro de limites possíveis. Portanto, disciplina é o processo que leva o indivíduo a respeitar normas, isto é, respeitar os limites estabelecidos pelo meio ou pelo grupo com o qual convive.

Sem disciplina não há condições para que o indivíduo sobreviva. São o controle e as restrições que colocam o indivíduo a salvo dos perigos, que de outra forma o atingiriam, pois o mesmo não tem o conhecimento das conseqüências de suas ações.

Karl, Albert e Harold (pg.89) falam que á imaturidade do indivíduo conduz a frustrações pela falta de preparo no desfrutar da liberdade. Segundo eles, as crianças precisam de disciplina, mas não de castigo ou obediência completa. Precisam sim de uma direção firme que as deixe saber o que se espera delas. Precisam do estabelecimento de limites também claros. É essa espécie de disciplina que satisfaz a necessidade que as crianças têm de segurança. E, através desse processo elas são levadas a buscar níveis de satisfação mais elevados.

A melhor disciplina é a regida pela liberdade. Contudo, muitos pais se perdem nela. Liberdade é poder material e psicológico, mas só tem valor quando associada à responsabilidade. A liberdade absoluta não existe. Ela é sempre relativa a algo.

O fato de uma pessoa estar sem atividade, sem fazer nada, não significa obrigatoriamente que essa pessoa seja livre. A liberdade individual é um conceito por um estado de espírito que só se adquire após um auto-preparo. Implica o reconhecimento dos seus próprios desejos e a capacidade de poder cumpri-los.

A liberdade está relacionada com a sensação de satisfação, de estar fazendo aquilo que tinha muita vontade de fazer. Para quem estuda, férias pode ser a liberdade do estudo. Para quem trabalha, um descanso. Para quem não estuda ou trabalha, férias não tem significado. E o fato de não estar estudando não torna ninguém livre.

Liberdade existe apenas antes de uma escolha. Uma vez feita a escolha, ela envolve responsabilidade e o conseqüente prazer em desfrutar essa escolha. Quem não conhece a liberdade individual pode se complicar muito em um relacionamento, porque a liberdade relacional é muito mais complexa e exige maior sabedoria de convivência.

 

A Permissão faz com que a criança encontre uma referência externa à realização do seu desejo de brincar. Essa referência que a criança vai formando dentro de si servirá de base para seus futuros relacionamentos.

A permissão não se expressa simplesmente em uma frase: "Você pode". Às vezes está implícita no olhar, no tom de voz. Quantas vezes nós ouvimos uma proibição com a tonalidade de permissão! Por exemplo, a criança vai fazer uma coisa, a mãe fala "Não", mas o filho faz assim mesmo e nada lhe acontece. É um "Sim".

A criança está descobrindo o mundo, que, de certa maneira, os pais construíram e com o qual convivem, portanto estão acostumados com ele. Para a criança, tudo é novidade. O "pode/não pode" é um critério estabelecido pelos pais, que terá conseqüências na conceituação da liberdade pessoal.

É muito diferente o pai que permite e transmite o conceito de liberdade, daquele que exige demais, tornando a pessoa prisioneira da idéia de liberdade: "se hay gobierno soy contra".

Permitir nada ou, no extremo oposto, permitir tudo são hábitos igualmente nocivos do ponto de vista educacional..

 

O recurso do reforço é um elemento importante na construção da disciplina.

Qualquer comportamento pode ser reforçado, reprimido ou extinto. Depende do estímulo que vem a seguir ao comportamento evidenciado. Esse processo está ligado ao fenômeno do condicionamento. Assim como a criança aprende a falar, vestir, brincar, trabalhar, também aprende a ser manhosa, briguenta, a ter acessos de cólera e até a roubar. Tudo depende da reação das pessoas que a cercam.

O reforço pode ser positivo ou negativo. Exemplos: positivo - uma criança que nunca estuda em casa, quando, um dia, ela. pegar nos livros e cadernos, fazer a seguinte observação: "Hoje você vai saber a lição direitinho, a professora vai ficar contente"; negativo - a criança quer comer sozinha, mas em função da pressa, o adulto a auxilia. Esse reforço faz com que a criança não tente comer sozinha na próxima vez, esperando pela ajuda do adulto.

A educação das crianças tornou-se mais difícil devido às transformações ocorridas na estrutura social da sociedade contemporânea. O desenvolvimento da democracia requer novos métodos para a solução dos conflitos. No passado, os padrões sociais baseavam-se na relação superior-inferior; o superior mantinha o domínio por meio de afago e da ameaça, de prêmio e castigo. Esses métodos são ineficientes para o preparo da criança para, a vida democrática, que se baseia na presunção de igualdade humana.

As relações humanas apropriadas requerem o respeito ao indivíduo pelos outros e por si mesmo. A maioria dos erros atualmente cometidos na educação das crianças constitui uma violação do respeito do adulto por si mesmo, ou pela criança. Os pais que deixam o filho expressar-se sem restrições, prejudicam seu respeito próprio e 'mimam" a criança. Em sua conceituação errônea da idéia de democracia e liberdade, permitem que a criança rompa a ordem da família e imponha sua vontade sobre a dele. O mimo, o excesso de condescendência, o excesso de proteção, a indulgência, solicitude demasiada, são ações que evidenciam a falta de um referencial adequado a ser dado à criança para que a mesma possa se estruturar de forma organizada. E quando esses processos mal inspirados deixam de atingir seus objetivos, que deveriam estimular as crianças a comportarem-se corretamente, os adultos dispõem-se a recorrer a velhos princípios de humilhação e castigo, que atentam contra a dignidade da criança. Processos que incluem todas as formas de despotismo, repreensão e censura e punição física.

 

Psicologia Infantil