1ª PARTE
"ESTRUTURAÇÃO DA PERSONALIDADE"

CAPÍTULO III
"PSICOSSOMÁTICA E A AUTO-AGRESSÃO"

A medicina que trata dos efeitos de nossos desequilíbrios psíquicos sobre o organismo é a Psicossomática, no capitulo da Auto-Agressão. Ela afirma que a saúde do homem, tanto física quanto psíquica, depende de sua capacidade de adaptação confortável às exigências do meio ambiente. A vida orgânica estabelece uma luta contínua e incessante para manter o equilíbrio diante dos estímulos recebidos, fenômeno que a ciência denomina de homeostase. A não adaptação é que traz a doença e o estado de mal estar interior.

Essa capacidade de adaptação é regulada por dois fatores fisiológicos que determinam o jogo da nossa vida consciente - o funcionamento do sistema nervoso e do sistema glandular.

O sistema nervoso, como já vimos, é aquele que recebe os impactos tanto externos, de natureza física, contatados pelos sentidos, quanto os internos de natureza psíquica. O cérebro decodifica e interpreta, devolvendo uma resposta que depende dessa interpretação.

Ao reagir, o sistema nervoso estimula certas glândulas levando-as a liberarem hormônios que podem relaxar, trazendo estados de calma, ou que podem causar tensão, trazendo estados perturbadores.

A regulagem hormonal equilibrada é favorável à defesa e à manutenção do equilíbrio do organismo, mas a carência ou o excesso de produção hormonal são altamente prejudiciais. Esta descoberta da função dos hormônios trouxe o conceito de Medicina Psicossomática, o mais recente capítulo da medicina. Ele se estruturou na terceira década do século XX e, dentro da medicina tradicional, é a primeira linha que procura ver o homem em sua totalidade. Convém notar, todavia, que a medicina Oriental, há milênios, e a homeopatia, desde o século XIX, nunca perderam a visão global do ser humano.

Um dos primeiros a pressentir que a emoção afetava a saúde foi William James, quando, em 1.884, disse: "Emoção é um estado da mente que se manifesta através de nítidas alterações no corpo". Mas quem realmente se dedicou ao estudo da relação entre hormônios e a saúde foi Dr. Hans Selye, neurofisiologista, merecedor do prêmio Nobel, nascido em 1.907 em Viena e radicado no Canadá. Em 1.936 publica a teoria do "stress", que vem comprovar a participação dos hormônios na instalação das doenças e, com isso, revoluciona a medicina.

O que despertou Hans Selye, quando ainda era estudante de medicina, foi perceber que, em todas as doenças graves, existe um estágio inicial que antecede ao aparecimento do sintoma específico - língua suja, dores e agulhadas difusas, perturbações digestivas, perda do apetite, febre, baço ou fígado congestionados etc. Todavia, os médicos, seus professores, não davam importância a essa fase e ficavam à espera do sintoma específico para firmar o diagnóstico. Dr. Hans Selye, através de inúmeras pesquisas, verificou que esse estágio que precede à doença é um quadro somático que ele denominou de "síndrome somático" e que deveria ser alvo de muito maior atenção.

Ele começou suas experiências com camundongos e verificou que, não só a ação de determinadas substâncias consideradas agressivas como, por exemplo, macerado de tecido ovariano, ou de qualquer outro tecido orgânico, bem como substâncias cáusticas como o formol, quando introduzidas no organismo dos bichinhos, produziam sempre uma determinada reação orgânica.

A ação dessas substâncias nocivas, portanto, a ação de uma agressão externa, provocava sempre o mesmo quadro patológico - aumento do córtex da supra-renal, com aumento de corticóides, involução dos órgãos timo linfáticos, que produzem os glóbulos brancos, ulcerações da mucosa do trato digestivo etc. Finalmente, conseguiu concluir que estes resultados se davam em virtude do aparecimento, no organismo, de determinados princípios hormonais.

Prosseguindo nas experiências, verificou que não havia necessidade da introdução de substancias agressivas, bastava submeter os bichinhos a outros tipos de agressão continuada, como por exemplo, frio intenso, calor, cansaço físico, bem como qualquer trauma emocional. Por exemplo, condicionava o ratinho para receber alimento após certo comportamento, digamos, após mover uma alavanca e, depois, repentinamente, cessavam de apresentar o alimento. Passado certo tempo de frustrações, ao examinar o bichinho, verificavam que o quadro instalado no organismo era exatamente o mesmo, os hormônios apareciam na corrente sanguínea e as alterações orgânicas se processavam. (1)

(1) A diversidade entre camundongos vem, há anos, fascinando o Dr. Bovet. Ele gosta de citar a chamada Lei de Harvard que sustenta que, se um animal de laboratório for devidamente estimulado e condicionado, passará a fazer qualquer coisa que se deseje. Com espírito esportivo, ele cita a seguinte charge a respeito do condicionamento: num diálogo, um roedor de laboratório diz a outro, com um ar superior e satisfeito: "Acho que o assistente de laboratório já está perfeitamente treinado. Cada vez que eu corro pelo labirinto, ele me dá comida".

Transferindo estas experiências para a análise do homem, constatou que o mecanismo era idêntico, com algumas agravantes. Quando a pessoa está sendo alvo de uma agressão real, que produza medo como, por exemplo, digamos que estejamos sendo assaltados, ou na iminência de sermos atropelados por um carro. Naquela fração de segundo, o organismo, através do estímulo da hipófise, leva certas glândulas a secretarem determinados hormônios, como corticóides e adrenalina. Esses hormônios entram na corrente sanguínea e vão excitar o sistema nervoso dando um quadro característico - taquicardia, angústia, palidez e estado de alerta e expectativa.

Esse estado que surge é favorável tanto para a defesa quanto para a fuga. Pessoas sob essa condição de excitação praticam verdadeiros prodígios. Presenciamos, por exemplo, a façanha de uma menina de nove anos que pulou um muro altíssimo, fugindo de um cão que vinha mordendo várias crianças no pátio de uma escola. Em hipótese alguma essa menina conseguiria pular tal muro. Podemos calcular a sua altura, pois ele fazia parte de um grande internato e separava o recreio das meninas do recreio dos meninos.

Passado o perigo, porém, os hormônios são eliminados e o organismo volta à normalidade.

O extraordinário da descoberta foi verificar que, ante uma agressão qualquer, de ordem psicológica, como uma frustração, uma ofensa, uma sensibilização dos fatores componentes da egoidade, como orgulho, vaidade, amor próprio, o homem se prepara para a defesa tal como diante de uma agressão real e, depois, não conseguindo remover a causa, pois esta é de natureza subjetiva, ligada a processos inconscientes, o indivíduo esconde a causa mas estratifica o estado. A esse estado de defesa cristalizado - hormônios que continuam circulando sem causa real - Hans Selye deu o nome de "stress". "Stress" tem sido definido como a soma de todo o desgaste causado por qualquer tipo de reação vital através do corpo, a qualquer momento; é, por assim dizer, um velocímetro de vida.

Pois bem, é a esse mecanismo de reagir gerando hormônios tensionadores, que funcionam como agressores internos, provocando reações orgânicas, sintomas e até lesões, que a psicologia dá o nome de auto-agressão. O nome, em si, é descritivo: sou eu que me agrido pela forma como interpreto os acontecimentos.

Qualquer reação emocional produz hormônios, são sistemas sincronizados. Ser promovido ou ser demitido podem causar fisiologicamente as mesmas reações - tensão muscular, temperatura periférica, pressão arterial, aceleração cardíaca. A diferença está no nível emocional.

Conforme o tipo de hormônio liberado, pode provocar um estado geral de tensão ou de relaxação os quais, consequentemente, vão gerar estados psicológicos correspondentes. Devemos convir, todavia, que raras são as vezes em que nos defrontamos com perigos reais; raras são as ocasiões em que nos deveríamos armar para a defesa, pois quase todas as agressões que recebemos no mundo moderno, não são propriamente agressões de ordem física, mas de ordem psicológica. Apesar dos perigos reais estarem aí iminentes, desastres no trânsito, assaltos etc., todavia, mesmo não acontecendo a cada momento, muitas vezes até durante toda a vida, eles nos colocam debaixo de uma certa expectativa, fenômeno que é de natureza psíquica.

Aparentemente, as agressões não reais parecem vir de fora porque são provocadas pelo comportamento de nossos semelhantes, ofensas, maledicências, calúnias, injustiças, ou pelas imposições da vida, mas, ainda assim, debaixo de uma análise mais profunda, elas terminam sendo auto-agressões porque é o meu estado psicológico, minha interpretação, que levam meu organismo a reagir de forma tensional.

Além da problemática inconsciente que pode gerar "stress" e que, provavelmente, merecem um atendimento especializado, existe aquela categoria de estímulos ligados à egoidade - egoísmo, vaidade, amor próprio, orgulho, ciúme, inveja, apego, raiva etc. e que desencadeiam auto-agressão.

Vamos esquecer os inconscientes sobre os quais não temos controle e nos fixar nos ligados à egoidade, verificando o quanto somos bombardeados por eles. Esses valores podemos detectar através de uma auto-análise, torná-los conscientes e direcionar nossas reações.

Dr. Hans Selye afirma: "Toda a tensão desnecessária provoca um desgaste. Devemos lutar pelos mais altos fins práticos, mas jamais opor qualquer resistência em vão".

Se conseguíssemos nos isolar emocionalmente dos problemas e procurássemos resolver tudo com humildade, honestidade, imparcialidade e justiça, medindo a relação entre causa e efeito, se conseguíssemos ficar de lado e aplicar o seguinte processo: análise da situação, emprego da razão para discernir o certo do errado, capacidade de direcionar a reação à custa da força de vontade, nós nos livraríamos de uma altíssima porcentagem de auto-agressões inúteis. Devo me tornar tão imparcial a ponto de ser capaz de ajuizar se o estimulo é justo ou injusto, e de ter autocontrole para ponderar: se injusto, não tomo conhecimento se bem que posso tomar providências, caso seja necessário para resolver uma situação. Se justo, devo ter a humildade suficiente para reformular.

Esta proposta de autocontrole não é fácil, mas a nossa saúde e a nossa felicidade dependem disso. Não posso mudar os acontecimentos que me cercam, nem as pessoas com as quais convivo, mas posso mudar minha forma de reagir, mesmo porque a reação convulsionada não resolve, pelo contrário, prejudica qualquer resolução.

É muito significativa a ilustração apresentada por Caio Miranda: "Certo discípulo Hindu foi queixar-se a seu guru de que seus colegas de escola o maltratavam por ser de casta inferior, ao que o Mestre responde: Filho meu, se lançares uma pedra a uma janela e esta tiver vidraça, será justo esperar que os vidros se quebrem produzindo alarido e prejuízos materiais. Se, porém, a janela não tiver vidros, a pedra passará sem causar danos. O discípulo deve ser como a janela sem vidros. Despe-te de teu amor próprio, de teu orgulho, de tua vaidade, que não são a verdade de tua natureza e ninguém conseguirá jamais humilhar-te ou ferir-te".

Outro pensamento sábio é o de Huberto Rhoden: "O mal que os outros me fazem não me faz mal algum, mas o mal que eu faço aos outros, esse sim é que me faz mal".

O "stress", ou seja, esta forma de reagir gerando hormônios, é responsável pelas chamadas doenças da civilização moderna - neuroses, infartos, úlceras, hipertensão, enxaquecas, fadiga, esgotamento nervoso etc.

Se observarmos nossa vida diária, veremos que estamos eternamente em estado de "stress", ou seja, de tensão desnecessária. Estamos permanentemente em estado de defesa, como se prestes a reagir a uma agressão externa:- despertador, trânsito, condução, competições, burocracia, aborrecimentos, mal entendidos, monotonia, pressa do século XX. Um grande psicólogo americano, especialista neste assunto de "stress", em palestra aqui no Brasil em l.978, contou casos curiosos de comportamento de executivos desse tipo Caxias. Disse que um cliente chegava a empregar dois barbeadores para ganhar tempo pela manhã. Num trabalho estatístico, afirma que esses homens nunca chegam ao topo da carreira porque morrem antes, uma vez que o "stress" é a doença que mais põe termo à vida do homem dentro desta civilização moderna.

Precisamos aprender a conviver com as dificuldades. Há necessidade de nos adaptarmos às tensões e pressões da vida cotidiana.

As pessoas chegam ao estado de "stress", não devido a um avassalador acúmulo de desgostos reais, não por grandes choques como mortes, perda do emprego etc., mas por não terem aprendido a manobrar a quantidade ordinária de contratempos peculiares a toda vida humana.

Muitos crescem e não alcançam maturidade suficiente. Maturidade implica em capacidade de manter serenidade, resignação, coragem, determinação e alegria em situações que levariam uma pessoa imatura à apreensão, terror, ansiedade ou frustração.

Dr. Hans Selye, o descobridor do "stress", aconselha: "Durma cedo, acorde cedo. Programe coisas agradáveis. Descubra que o mundo tem coisas fascinantes. Passeie, ouça musica, tenha um hobby, pratique esporte. Não defenda a pressa. Faça amigos".

Como temos extrema dificuldade para detectar em nós os aspectos desequilibrantes, porque, para nós, nossas reações parecem sempre adequadas e justas, no próximo capítulo vamos apresentar alguns dos engenhosos artifícios que empregamos para acobertar nossas falhas internas.

Sem esta capacidade de autojulgamento, de nada adiantaria conhecer as técnicas de auto-equilíbrio, porque elas ficariam apenas na área mental, do conhecimento, e jamais preencheriam sua finalidade, qual seja a da movimentação de nossos fatores internos.

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