1ª PARTE
"ESTRUTURAÇÃO DA PERSONALIDADE"

 

"Apresentação de como se estrutura a personalidade humana, focalizando algumas das muitas influências desequilibrantes que participam desse processo".

 

CAPÍTULO I
 REFLEXÕES SOBRE AS CONTROVÉRSIAS DE NOSSA NATUREZA INTERNA

Você já notou que existe dentro de nós um contínuo jogo de opostos? Vamos procurar entender por que isso acontece.

Ao iniciar uma abordagem sobre organização pessoal, é preciso, primeiramente, aceitar que é extremamente difícil entender o que se processa em nosso interior e, mais difícil ainda, é ter a capacidade de controlar e direcionar nossas reações.

Neste livro, vamos procurar pesquisar por que não conseguimos nos manter dentro dos atributos que podem nos levar ao estado de bem estar, de felicidade, tais como segurança, alegria, compreensão, calma etc. E, por outro lado, por que tendemos a nos manter dentro dos atributos que nos levam para estados desequilibrantes, tais como insatisfação, insegurança, angústia, ansiedade, sentimento de culpa, medo etc.

Por que será que os momentos em que estamos dentro do estado de equilíbrio são muito mais raros e passam tão depressa?

Para começar, existem razões, em termos de estruturação da personalidade, que concorrem para que a pessoa reaja dessa maneira.

O objetivo deste livro é justamente o de analisar, de maneira geral, as influências do ambiente que podem ter afetado a formação de nossa personalidade, atuando dentro de nossa natureza interna.

Conhecendo como se estrutura a personalidade e por que se estrutura dessa determinada maneira, torna-se possível o controle.

Ao mesmo tempo em que formos procurando conhecer melhor a nossa natureza interna, iremos tomando conhecimento de técnicas fantásticas que ajudam a pessoa a se manter de maneira mais estável dentro dos princípios equilibrantes.

Sintetizando, então, o objetivo será:

1. Apontar causas que levam a personalidade a estruturar-se de maneira desequilibrante e controvertida;

2. Apresentar técnicas que nos levam a passar para o estado de equilíbrio, encontrando bem estar, ou seja, o estado de felicidade.

Tão complexa é toda essa problemática interna que um cientista, prêmio Nobel, Alexis Carrell, na década dos 30, escreveu um livro cujo título era: "O homem, esse desconhecido".

Dessa época para cá, todavia, o quadro científico em relação à natureza humana modificou-se por completo. Houve um progresso enorme.

A medicina, na área da fisiologia, estudando a relação entre reações orgânicas e estados psíquicos e, na área glandular, estudando o efeito dos hormônios, trouxe dados extraordinários. Surgiu a Medicina Psicossomática. Ela detecta as repercussões  somáticas do jogo das reações psíquicas, ou seja, das reações mentais e emocionais e mostra como atuam os hormônios.

Soma - o organismo considerado como expressão material, em oposição às funções psíquicas.

Por sua vez, dentro da psicologia, as linhas mais recentes como a Psicocibernética, o treinamento autógeno, a análise transacional, a psicologia analítica de Jung, a própria psicossomática e outras, também trazem elementos extraordinários para se desvendar a alma humana, ou seja, a vida emocional e mental do homem.

Hoje, final do século XX, não há outra alternativa senão realizar o que Sócrates propôs há mais de dois mil anos: "Homem, conhece-te a ti mesmo".

Para conseguir isso, o primeiro requisito é perceber que há uma polaridade dentro de nossa alma - nossa mente é dual, nossa emoção é dual e nossa vontade é dual.

O pivô de nossa vida interior está aí na alma. Esta dualidade interna já foi percebida há muito pela filosofia que a registra em dois capítulos:

- Um para o lado do mental, que é a dialética.

- Outro para o lado do emocional, que é a axiologia.

- A dialética veio sendo estruturada através dos tempos, desde quando, pela primeira vez, Heráclito (544-480 a.C.) afirmou que existiam dois princípios em oposição dentro do Universo e que os mesmos eram os responsáveis pelo movimento e pela vibração, características do mundo sensorial. São palavras de Heráclito: "O Universo não foi feito por deuses nem pelos homens, mas sempre existiu, existe e existirá. Tudo se move em ritmo, quantidade e sentido e esse movimento é a resultante formal da tensão, conflito ou oposição dos contrários".

São palavras de Hegel (1.770-1.831): "Cada coisa traz dentro de si a sua própria contradição. Cada coisa é levada a transformar-se em seu contrário - dia e noite, vida e morte".

Tudo é produto de um jogo de forças opostas, cujo principal exemplo é a própria matéria que nada mais é do que a dinâmica entre dois pólos energéticos.

Hegel afirma que, em toda a formulação, ou seja, sempre que se queira expor um pensamento ou uma idéia, existe necessariamente um "momento dialético", constituído pelas duas fases - a tese e a antítese. Impossível desfazer-se da contradição. A única solução é a síntese.

Com esta afirmativa, ele descreve exatamente o objetivo da iniciação que é o de se conseguir o androginismo, ou seja, o perfeito equilíbrio entre os valores opostos da alma.

No mental, essa polaridade, esses dois princípios opostos, se expressam através de um estado contínuo de dúvida. Estamos sempre diante de duas possibilidades, sempre em uma posição de escolha, quando não, de um conflito - faço, não faço; devo, não devo; compro, não compro; caso, não caso...

A incapacidade de conhecer a decisão certa para a maioria das situações já é uma das causas que provocam estados de desequilíbrio - insegurança, ansiedade etc.

- Por sua vez, a axiologia, que estuda o valor dos objetos em relação ao desejo e às necessidades do homem, verificou que nós nos colocamos sempre em um dos extremos; ou estamos a favor de uma determinada coisa ou estamos contra; ou apreciamos ou não apreciamos e, a esta realidade do ser humano, ela deu o nome de propriedade de polaridade.

Nunca o homem permanece completamente indiferente às coisas e aos acontecimentos que o cercam. Estatisticamente, indiferença a qualquer objeto ou situação é desequilíbrio.

Para comprovar a polaridade da emoção, basta perceber que temos sempre duas maneiras de reagir - impulsos nobres, humanitários, de compreensão para com os outros e impulsos que surpreendem, de raiva, egoísmo, incompreensão, revolta etc.

Emoção é a força que impulsiona à ação, mas tem duas direções. O Ocidental chega até mesmo a classificar com nitidez esses dois princípios - Bem e Mal. Podemos até relacionar valores. Por exemplo, como Bem, paciência, altruísmo, compreensão etc. Como Mal, impaciência egoísmo, raiva. Será, contudo, que esses valores são assim rígidos? Poderão eles ser tabelados?

Muito antes do surgimento da filosofia Ocidental que começa com Sócrates (400-399 a.C.), a tradição dos povos Orientais já citava essa polaridade. A filosofia Oriental afirma que tudo tem um começo e um fim, sendo o começo sempre oposto ao fim, embora um não possa existir sem o outro - vida e morte, infância e velhice etc.

Na China, Lao-Tsé (século VI a.C.) apresenta extensas cogitações a esse respeito. Diz Lao-Tsé que existem no Universo dois princípios que estão permanentemente formando um jogo dentro dos fenômenos da manifestação, do mundo dos fenômenos e que se refletem em tudo. Chamou a esses dois princípios de Yang e Yin que vou classificar, provisoriamente - Yang como positivo e Yin como negativo. Se considerarmos o enfoque da medicina Oriental a respeito desses princípios, poderemos firmar um conceito que satisfaz plenamente.

A Acupuntura afirma que existem doenças provocadas pelo excesso de Yin, o que se entende, pois Yin está classificado como negativo. Mas acontece que ela afirma também que existem doenças provocadas pelo excesso de Yang, o que já começa sendo mais difícil de entender, uma vez que Yang está considerado como positivo e doença é algo negativo. E a Acupuntura acrescenta que, para curar uma doença provocada pelo excesso de positivo é necessário juntar um tanto do Yin, ou seja, do princípio negativo, até obter um equilíbrio entre as energias, porque, na verdade, a doença é desequilíbrio tanto para o lado da energia positiva, quanto para o lado da energia negativa, e somente o equilíbrio resulta em saúde.

Filosoficamente, não poderíamos ter colocado Yin e Yang classificados nestas duas listas, com o conceito que temos de Bem e Mal, porque eles não são opostos, eles são complementares e a condição ideal é a de equilíbrio.

Então, o que é doença? Desequilíbrio, por excesso ou por falta, de uma das energias. Podemos aplicar o mesmo raciocínio aos valores morais. O que é um mal? É o desequilíbrio, por excesso ou por falta, de um determinado valor em relação às exigências do momento que está sendo vivido. Será, por exemplo, que paciência é sempre um bem? E impaciência será sempre um mal? Depende. Há momentos em que um excesso de paciência pode se transformar em um mal.

É impossível fazer qualquer afirmativa, porque são valores relativos. Dependem das circunstâncias e do enfoque da pessoa. Não é o valor em si, mas a maneira como aplico. O ideal é um ponto que está situado entre os opostos e que expressa uma atitude de justiça em relação às circunstâncias. E somente cada um pode decidir diante de seu grau de consciência.

Quer dizer que a causa fundamental de nossa vida interior ser tão controvertida é de natureza Universal, Cósmica. E o homem tinha que ser assim, com estruturação não fixa, para que, diante das várias possibilidades, ele tivesse a oportunidade de exercer o Livre Arbítrio, condição básica para se alcançar a Auto-Realização e caminhar dentro do processo evolutivo.

Mas o grande impasse da iniciação, da Auto-Realização, é a pessoa conseguir reconhecer que traz dentro de si os dois pólos, que, na verdade, como vimos, são princípios Universais. Todavia, recorremos a incríveis subterfúgios para esconder nossas falhas, assunto que será tratado no quinto capítulo. No próximo, vamos focalizar os condicionamentos, que é a mais fundamental forma de estruturação da personalidade. Sem conhecer o mecanismo dos condicionamentos é difícil entender a pessoa humana.

 

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